O projeto Hipátia consiste num estudo multidisciplinar sobre a violência de género (VG) com risco de letalidade em Portugal, assente na análise retrospetiva de sentenças transitadas em julgado, proferidas no âmbito de processos penais por crimes de homicídio doloso (e figuras afins) praticados no contexto de violência em relações de intimidade (VRI) em que o agressor seja homem e a vítima mulher (ou em que o agressor assuma um papel de género tradicionalmente equiparado ao masculino e a vítima assuma um papel de género tradicionalmente equiparado ao feminino).
Como grupo de controlo, serão também analisadas retrospetivamente sentenças pelos mesmos crimes praticados no contexto da VRI, em que a agressora seja mulher e a vítima homem (enquanto género de identificação cultural). O primeiro objetivo será o de caracterizar a VG com risco de letalidade tendo em vista os seguintes objetivos mediatos: (1) elaborar dois testes, um de Avaliação Sumativa de Risco e Letalidade (ASRL – vítima) e outro de Avaliação Sumativa de Agressividade e Letalidade (ASAL – agressor), adaptados à realidade sociocultural portuguesa, aptos a serem usados pelos técnicos das entidades que realizam o primeiro contacto com a vítima, e pelos operadores judiciários; (2) apurar como é que o risco de agressividade e letalidade tem sido percecionado, avaliado e prevenido pelos operadores judiciários portugueses, quer comparativamente face às perceções das vítimas, quer no âmbito de decisões transitadas em julgado, tendo em conta os fatores socioeconómicos, culturais, de idade, sexo, género e orientação sexual que possam ter condicionado essa perceção; (3) propor critérios jurídicos de avaliação e gestão do risco de agressividade e letalidade, necessariamente qualitativos, balizados pela Constituição, teleologia e funções do Direito Penal e do Direito Processual Penal num Estado de Direito democrático; (4) avaliar o impacto dos estereótipos de género na decisão jurisprudencial; (5) apurar se houve comunicação do que se foi decidindo no processo-crime para os tribunais de família e se a regulação das responsabilidades parentais nesta sede foi determinada por estereótipos de género e se evitou a vitimização secundária, objetivo para o qual se conta com a parceria e colaboração do Instituto de Apoio à Criança (IAC); (6) sugerir medidas legais ou procedimentais orientadas para a prevenção e repressão da violência de género com desfecho fatal; a proteção imediata da vítima (e dos filhos);
a compreensão, pelos diversos operadores judiciários, do impacto das perceções e dos estereótipos de género na abordagem da violência de género e da VRI com risco de letalidade; a minimização dos arquivamentos indevidos do processo penal e das injustificadas suspensões provisórias do processo penal ou das indevidas suspensões da execução da pena de prisão; a avaliação da eficácia da pena e do risco de reincidência após o cumprimento da mesma pelo condenado.